domingo, 30 de agosto de 2009

Uma inglesa no Porto - 13º Capítulo

Dois meses se passaram após isto ter acontecido. Apesar do castigo já ter acabado, a dor de o ver todos os dias na escola estava sempre presente.
O Isaac também acabou o namoro com a Matilde. Ela sofreu, sofreu mas depois daquilo já tinha tido dois namorados. Eu era a única que ainda continuava a sofrer. Perguntava-me muitas as vezes o porquê de eu gostar de alguém que não me merece. Quer dizer... Nós não escolhemos quem amamos. Logo, não gostar dele não foi escolha minha. Se tivesse sido, poderia então afirmar que era masoquista nos meus sentimentos.
Ele ignorava-me por completo. Ele e o irmão! Ambos desde que acabaram connosco as duas andavam estranhos. O Sandro parecia em estado de sofrimento. Já o Isaac, tinha-se tornado mais bruto e não se dava com toda a gente.
Senti-a que já não os conhecia. E com a Matilde, a namorar comecei a andar sozinha. “Mais vale andar sozinha do andar a fazer de vela!” – era o que lhe eu dizia como desculpa.
A tristeza todos os dias aumentava um pouco mais. Cheguei a pensar em voltar para Inglaterra ou para Lisboa, pois, assim não teria de os encarar todos os dias. Tenho de ser mais forte – incitava-me a mim mesma – Não lhe posso mostrar o quão ele ainda me afecta. Tudo isto era dito com convicção mas, não surtia qualquer tipo de efeito.
Um dia, os meus pais quiseram levar-me a visitar a minha avó ao lar, pois eu nunca a tinha conhecido. Como era mais que óbvio, eu defendi fervorosamente a ideia de ficar em casa a deprimir mais um pouco como era habitual.
- Não ficas em casa – Resmungou o meu pai.
- Não podes ficar deprimida para sempre! – Concordou a minha mãe – Antes não eras assim! O que se passa contigo? Nunca estiveste tanto tempo em baixo devido a um namorado teu ter acabado contigo! Quase não comes, quase não bebes, quase que não dormes! Olha para ti!
Eu olhei para mim pela primeira vez em dois meses e impressionei-me com a minha figura... Duas circunferências negras à volta dos meus olhos como se tivesse acabado de sair de uma rixa, a minha figura estava torta de olhar apenas e só para o chão, nas mãos, os meus ossos podiam ser facilmente delineados, pela falta de engorda... Estava horrível. Eu sabia disso. Não queria saber. Eu sabia da minha vida e do que queria fazer dela.
- As tuas notas desceram... – murmurou sorumbaticamente a minha mãe – Já não és a mesma! Por amor de Deus deixa-nos levar a um sítio qualquer para ver se te animas!
Eu não cedi. Sei que ela só queria fazer aquilo para meu próprio bem, mas eu sabia como cuidar-me.
Eles acabaram por desistir e eu fiquei a vê-los abalar de carro, pela janela da sala. Quando eles se foram embora de carro, a porta da minha casa estremeceu com alguém a bater-lhe com alguma violência.
Assustada, fui abrir a porta para ver quem era o autor de tal barulho. Nunca fiquei tão espantada na vida do que ao descobrir que era Sandro exangue. Este, entrou rapidamente em casa, quase rastejando e tossindo sangue. Os traços de maus--tratos eram evidentes.
- O que se passa contigo? – Murmurei assustada – O que estás aqui a fazer?
- Ajuda-me! Deixa-me ficar em tua casa se ainda me amas – suplicou-me.
- O que aconteceu? O que tens? Tu... – Passei com a mão pelos peitorais ensanguentados dele e senti uma fossa no lado esquerdo – Tu estás ferido! Tu levas-te um tiro! – Gritei em pânico.
- A bala já foi retirada! – Informou-me calmamente, embora com traços de sofrimento gravados no rosto – Não há qualquer tipo de perigo de morte, são mais as dores...
Fechei a porta. Para ele ficar mais à vontade.
- E agora? O que é que fazemos? – Interpelei-lhe. Ele ignorou-me e beijou-me abraçado a mim, agarrando-me com toda a força que lhe restava para eu não fugir. Eu mesmo que quisesse não o conseguia fazer, pois as saudades eram demasiadas... Era esta a altura certa para lhe pedir para desaparecer para sempre como durante muitas noites sonhei. Mas o seu cheiro, a forma de como ele se encontrava frágil... Ele precisava de mim! Não o podia abandonar naquela altura tão delicada para ele. Odiei-me naquele momento. Senti-me tão fraca. Ele tinha-me feito sofrer tanto e eu não o consegui deixar de abraça-lo, beija-lo, ama-lo como se nada se tivesse passado. Mantive-me quieta, abraçada a ele, mas sem olhar para a sua face.
- Desculpa-me... – pediu-me. Não ripostei.
- Eu sei que te magoei muito... – continuou – mas era para não te magoar ainda mais. Assim, como eu. Não querias acabar alvejada, pois não?
Continuei calada...
- O que te aconteceu? – Perguntei após um longo tempo em silêncio.
Ele riu-se amargamente e respondeu:
- Fui tramado.
- Porquê?
- Por causa de umas coisas... Não vais querer saber! – E realmente não queria. Já estava com ele de novo! O resto era apenas histórias. Não o ia deixar abalar de novo! Nem que me esfolasse. – O Isaac... – murmurou -... ele, não teve tanta sorte. Eles apanharam-no. Ele... ...neste momento encontra-se em repouso eterno...
Senti um choque no coração e um arrepio na espinha. Se tivesse sido ele? O Sandro pela primeira vez na vida, desde que o conheço, começou a chorar como um bebé, agarrado a mim. Fiquei com ele mais um pouco a consolá-lo. E depois fui limpar o sangue que se encontrava espalhado pela casa. Fiz um penso a ele, dei uma t-shirt do meu pai e deixei-o a descansar na sala...
Quando acabei de limpar bateram outra vez à porta. Ele automaticamente, levantou-se do sofá e foi-se esconder. Achei estranho, pois nunca o tinha visto a comportar-se assim... Abri a porta sem perguntar quem era.
Qual não foi a minha estupefacção ao ver que quem acabara de bater à porta era uma autoridade? Fiquei doente, só de o ver. Na minha cara espelhava-se assombro, principalmente. O guarda perguntou-me:
- Entrou aqui por esta propriedade um rapaz de nome Sandro Carvalho?
Mirei-o assustada. De boca ligeiramente aberta. Finalmente lhe respondi, descontraidamente:
- Não. Esse rapaz namorou comigo, mas há dois meses que acabou tudo comigo. Tenho estado sozinha! – Assegurei.
- Então, sendo assim não vai ser preciso você recear que eu lhe reviste a casa pois não? Tenho um mandato de captura! – Disse-me mostrando-mo.
Ele entrou e começou a revistar a casa. Deixei estar um pouco à sua vontade e finalmente lhe perguntei:
- O que é que ele fez? – Os meus braços estavam relaxadamente cruzados e eu encostada à ombreira da porta.
- Tráfico de droga, armas e furto de um veículo.
- E o irmão? O Isaac?
- Esse era o cabecilha do grupo. Meteu-se num tiroteio com outro gang e morreu alvejado na cabeça. O único sortudo foi o seu antigo companheiro. Todos foram apanhados (uns vivos, outros nem por isso), este escapou...
Sentei-me no sofá a ver televisão. Quando o polícia entrou no meu quarto fiquei receosa. Era para lá que ele tinha entrado quando eu fui abrir a porta. Mas este, procurou, procurou e não encontrou nada. No final acabou por se despedir de mim, agradecendo a minha disponibilidade e abandonou a minha casa.
Eu respirei fundo e esperei uma boa explicação para quando ele aparecesse.
Mas ele não apareceu... Esperei, desesperei e voltei a esperar. Levantei-me do sofá, no qual me tinha voltado a acomodar depois de ter levado o guarda à porta. Dirigi-me de novo para o meu quarto num passo pachorrento, pois tinha a certeza que ele me tinha abandonado de novo e se tinha aproveitado de mim, devido ao seu conhecimento de que eu não o tinha esquecido. Eu tinha noção que, por mais que me tivesse esforçado, o sofrimento estava sempre presente no meu olhar.
Sentei-me na cama e passado algum tempo, deitei-me de barriga para cima para mirar o tecto como se algo interessante se pudesse ver lá em cima e também para deprimir mais um bocado... Fechei os olhos por um minuto quando comecei a ouvir pancadas suaves na parede. Estranhei, portanto, levantei-me de imediato... Os barulhos iam andando lentamente de um lado para o outro como se me quisessem dirigir para algum ponto do meu quarto. Caminhei atrás do som, caminhei... até que cheguei ao meu guarda-fato. Abri-o e continuei a ouvir o som e quase ia jurando que o armário era oco... Fui dando murros pequenos para me certificar que não me tinha enganado, até que cheguei a uma parte, realmente oca e procurei dentro do guarda-fato algo que me pudesse dar acesso a alguma parte do meu quarto que não tivesse conhecimento... Passei com os dedos pelas madeira polida, até encontrar algumas irregularidades e depois puxei com as minhas mãos, o bocado de madeira que constituía o armário e deparei-me com uma escadaria em caracol que vinha no encalço do meu guarda-fato... Havia também um andar que, com certeza, lhe tinha dado a oportunidade de chegar às paredes do meu quarto. A meio da escadaria encontrava-se ele, pávido e sereno, como se nada tivesse acontecido...“Demoras-te!” – disse-me. Mas eu ignorei-o. Estava sem dúvida, muito mais interessada na minha descoberta. Um guarda-fato que eu sempre pensara que era um normal, era na verdade, uma das coisas mais fascinantes da minha vida.
Passei a mão pela parede da passagem como se verificasse que esta era real... Não havia qualquer tipo de dúvida: nunca tinha visto nada tão verdadeiro em toda a minha existência. Depois, voltei a olhar para ele. Não se tinha mexido nem um milímetro e continuava com aquele sorriso que só ele sabe fazer.
- Encontrei-te... – murmurei só para mim. Mas, ele parece ter ouvido. Desceu as escadas na minha direcção e estendeu-me a mão, como se me convidasse a entrar na passagem. Eu segui o seu ‘pedido’ e passei para um mundo totalmente desconhecido para mim até lá.
Olhei mais uma vez em meu redor... As paredes estavam cinzentas de não serem pintadas há muito tempo. Existia pó por todo o lado. Até ele estava completamente cerdo. Precisava de um banho sem dúvida. Passei-lhe a mão pelo cabelo que agora se encontrava hirsuto e pousei a cabeça no seu peito transpirado talvez do calor que se fazia sentir lá dentro. Há tanto tempo que tinha saudades de lhe tocar... Sorri perante tal lembrança.
- O que foi? – Perguntou-me.
- Nada, nada! – Segredei – Só queria estar assim para sempre!

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