quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A minha Princesa


Por vezes, ponho-me a pensar na minha vida, nas mudanças que ocorreram, os ganhos que tive, as perdas que tive. 
Perdi a minha cadela recentemente, em junho do ano passado e por mais que tente convencer-me de que está tudo bem e de que sou uma rapariga forte, a verdade é que sofro muito e me dói muito pensar que nunca mais a poderei sentir ao pé de mim, nem afagar o seu pêlo. O cão é definitivamente o melhor amigo do Homem e tinha a Princesa como minha irmã que nunca tive. Foi a cadela que me acompanhou na minha infância, a minha amiga fiel que estava sempre pronta para a brincadeira, era calma e equilibrada e era ela que me expulsava com frequência do sofá. 
Se estava triste, tinha-a lá para me confortar, se estava a fazer asneira, tinha-a lá para me denunciar. Era a cadela perfeita, não havia melhor. Era extremamente inteligente, meiga e extremamente curiosa. Lembro-me de várias vezes, em que decidiu que podia ser amiga de gatos e levou arranhadelas no focinho. Era comum as pessoas dizerem que o seu lema era "Por favor, não me façam mal". Era uma pacifista e percebia tudo o que lhe dizíamos em caninês. 
Houve um dia em que deixámos um pão de ló na mesinha da sala, acreditando que ela não chegava lá e quando regressámos encontrámos o bolo ratado até onde ela chegava. Houve outro dia, em que a minha mãe, naquelas alturas de crise, decidiu fazer a extravagância de comprar Mon Cherries para ela e, sabendo que nem eu, nem o meu pai gostamos, deixou-os na mesinha da sala. Azar dos azares: a Princesa gostou e a minha mãe foi dar com ela totalmente embriagada no puff da sala. Segundo o relato, nunca tinha sido visto tão feliz e a correr tanto.
Adorava farejar (e o olfacto foi dos poucos sentidos que ela não perdeu, tendo em conta que no final da sua vida estava completamente surda e que a sua visão foi afectada por cataratas) poderia ter sido um elemento da polícia, na detecção de drogas ou na equipa de salvamentos. Também poderia ter sido telefonista, tendo em conta que um dia, deixámos o telefone de casa em cima do sofá, enquanto fomos almoçar fora durante a celebração dos 30 anos da minha prima Dina e a minha mãe acabou por receber um telefonema por parte dela. Rimo-nos muito e realmente, quando chegámos a casa, encontrámo-la refastelada no sofá com o telefone de casa ao lado como prova do sucedido.
Odiava ficar sozinha e ser contrariada, era teimosa e quando a deixávamos sozinha em casa, gostava de se vingar de nós, espalhando lixo pela casa inteira.
Era bem comportada e sabia andar sem trela. Sabíamos que podíamos confiar nela e deixávamos a porta da rua aberta e deixávamo-la dar a sua voltinha e regressar quando tivesse vontade. Nunca tivemos receio de que mordesse a alguma criança, pois sabíamos da sua meiguice e generosidade. Era delicada a tirar comida da nossa mão e o seu snack preferido era o dental fresh pelo qual era muito gulosa. Gostava de abrir prendas de Natal antes da hora (quer lhe pertencessem a ela, quer não). Foram várias as vezes, em que foi debaixo da árvore de Natal buscar os dental fresh que lhe estavam destinados naquela noite santa e houve mesmo um ano em que decidiu que os chocolates da Toblerone, que íamos oferecer aos meus primos, eram requintados o suficiente para o seu paladar. 

Quando era jovem, gostava da cama dos meus pais e eram várias as vezes, em que desfazia a cama e se enfiava debaixo das cobertas. O presépio era o seu paraíso, adorava deitar-se no musgo e por conta disto, os meus pais foram obrigados a colocar cancelas para ela não se convencer de que era um menino Jesus. Adorava a neve, era rebolava, comia-a e ainda andava de trenó. Ela era uma bola preta saltitona no meio da neve branquinha. 
Era corajosa, sobreviveu a um parto difícil onde todos os seus bebés morreram, onde superou uma depressão pós-parto e venceu a obesidade mórbida da qual sofreu durante uns anos.
Ela era a cadela perfeita e por muito que haja gente que se convença de que, por o nosso melhor amigo ter morrido, não devemos voltar a abrir o coração para um cão, eu sou da opinião contrária. Eu amava-a e amo-a, mas tenho tanto amor para dar... E está guardado para voltar a amar um cão ideal. Basta que me dêem uma oportunidade.