Estava tudo mudado. Tinha mudado de país, tinha abandonado os meus amigos, tinha deixado a minha casa, tinha alterado o modo como falava com as pessoas que achava que estavam abaixo de mim na cadeia alimentar… Esse Isaac por exemplo… Em Londres, se o visse na rua, mesmo numa total aflição, nunca falaria com ele… Apesar de ser bastante jeitoso, tinha um aspecto pobre, nunca chegaria a saber o tão simpático quão ele era. Os meus pais estavam contentes comigo. Diziam que eu tinha perdido a mania da superioridade e que isso era muito bom quer para mim, quer para as pessoas ao meu redor. Realmente eu começava a notar. As pessoas já não falavam tanto mal de mim nas costas como antigamente, como também nunca mais tinha ripostado mal aos meus pais. Seria más companhias que tinha tido em Inglaterra? Tudo isto para mim, ficaram perguntas sem solução… Nem hoje sei, porque fui alguma vez assim: arrogante… Sim! Uma menina mimada e arrogante com todos à sua volta.
Olhei para o tecto do carro e em seguida para as luzes da cidade do Porto. No carro estava um silêncio arrepiador. E já farta de estar calada e decidi falar sobre qualquer coisa! Nem que fosse o quão odeio bifes com batatas fritas! Felizmente, não estava tão desesperada por um pouco de conversa e comecei a falar sobre o tempo que se faria sentir no dia seguinte:
- Hoje eu e o Isaac passamos por uma loja de electrodomésticos que tinha umas televisões na montra a dar no canal de meteorologia e disse que no Porto, amanhã ia estar um sol incrível…!
- Esse Isaac, hã? – Ripostou a minha mãe – parecia bom rapaz…
- Pois… mas estava a pensar: que tal amanhã darmos um passeio à beira rio? – Desviei o diálogo – Ou então podíamos almoçar num desses restaurantes lindos com vista para o rio… Que dispõe do tão apreciado vinho do Porto e de outras iguarias. Que acham? Ia ser um dia a não esquecer!
- Eu cá acho esse Isaac, muito interessante! Sabia a história toda do Porto! Os jogos mais importantes, o número de taças que ganhou, o número de vezes que foi campeão…! – Ao dizer isto, o meu pai visualizou-me pelo espelho retrovisor e sorriu.
Eu sei o que andavam a tentar fazer! É o que toda a gente tenta, pensando que somos distraídos e que nos vamos descair. Desde que tive o meu primeiro namorado aos nove anos que sabia o que isso queria dizer… “Vai filha! Ele é um bom partido!”, “Ele é tão bom rapaz, filha! Se tivesse a tua idade…” ou até mesmo as frases que eles tinham referido nestes dois minutos atrás, podiam servir de exemplo! Os pais e os outros familiares são tão manhosos! Mas, uma coisa que vou desde já avisar: de mim não levam nada!
- Bem, Kate… - balbuciou a minha mãe - …eu e o teu pai arranjámos um apartamentozinho, que achamos bom e que acabamos por comprar a pronto dinheiro. Esperamos que não te importes!
- Obviamente que não me importo! Se não comprassem, onde dormiríamos, esta noite?
Os meus pais esboçaram um sorriso e dirigiram-se para a nossa nova casa. Quando chegamos perto do prédio, onde iríamos habitar, parei e vislumbrei-o com cuidado, dava a sensação de ser recente devido às cores ainda não terem sido comidas pelo sol. Tinha um amarelo bastante alegre revestindo o prédio na parte exterior e uma porta de ferro verde, com uns botões com códigos que permitiam aceder ao prédio quando nos esquecíamos das chaves. Este aparelho era bastante útil, mas ao mesmo tempo bastante perigoso, pois corríamos o risco de sermos assaltados… pronto… Tinha chegado à minha nova casa… Estranhamente já estava toda mobilada. Foi então que os meus pais me explicaram que tinham dito que tinham exigência por uma casa já mobilada. Então tinham-lhes arranjado esta. Nada mau, pensei. Esta habitação era muito mais pequena do que aquelas que alguma vez tínhamos tido, mas, servia bem para os três.
Sentei-me no sofá amarelo, a condizer com os cortinados da sala e abri o portátil, conectei-me à internet juntamente ao Mensseger e rezei que o Matt se encontrasse online. Felizmente, estava e então, entrei numa conversação com o mesmo. Tinha tantas saudades dele. Saudade, que palavra tão portuguesa… Um sentimento… Que eu saiba só existe esta palavra para dizer que sentimos saudade…. Em inglês: I miss you. Era verdade: I missed him – sentia a falta dele ou tinha saudades dele… E não tinha vergonha de o admitir.
Comecei a conversa a dizer o quanto gostava dele e sentia a falta dele, enquanto o visionava pela webcam. Ele, inesperadamente estava mais sério que o habitual, não sorria, nem sequer se ria como um louco com as minhas piadas rotineiras.
Foi aí que vi que algo se passava com ele. Não havia a perfeição que estava habituada. Nós éramos o par mais apreciado no colégio, eu tinha arrecadado do título de rapariga mais gira do colégio e ele, o de rapaz. Éramos tudo isso e nem a distância nem nada nos ia separar… Tínhamo-nos prometido que quando eu fizesse dezanove anos de idade, iria ter com ele a Inglaterra. Mas, tudo se desmoronou de repente quando ele me disse que já tinha uma namorada nova e que já tinha ido à história, que fazia parte do passado, como se tudo o que tínhamos tido não tivesse passado de um tremendo erro. As lágrimas escorreram-me pelo rosto abaixo, não podia controlar, ainda bem que não tinha ligado ainda a minha webcam. Não queria que ele visse no estado em que me tinha deixado. “Não chores” disse-me ele. Então, senti-me extremamente humilhada e respondi-lhe que não chorava por rapazes que tinham a mania que eram bons e bloqueie-o. Não o queria ver mais. O que lhe diria se ele se cruzasse comigo na rua, agarrando a outra pela cintura ou pondo-lhe o braço direito por cima como me fazia a mim? Será que fingia que não o via e mudava de passeio, ou seria eu a ignorada? Senti um nozinho na garganta de infelicidade… Quando dei por mim, dei graças por estar no Porto e não na minha Terra Natal e correr o risco de o encontrar com a outra.
Agora sem o Matt, nada me prendia a Londres. Não tinha amigos verdadeiros, nem namorado, não tinha família… Quando pensei nisso senti-me extremamente sozinha. Não tinha ninguém, apenas os meus pais. A minha arrogância tinha-me afastado de todo o mundo, tinha criado uma barreira para com as pessoas que não considerava do meu nível e isso reflectia-se no meu número de amigos. A Candy, a minha melhor amiga, nunca tinha querido saber de mim, por aquilo que era, mas sim, pelo meu dinheiro. A esta altura já devia ser a cadelinha de estimação da Marie, a outra miúda mais popular. Mas, nada disso importava. Tinha acabado de decidir que a minha vida em Londres, seria como o meu telemóvel que tinha ido à máquina de lavar e que tinha avariado, tinha tido o final da sua curta “vida” e que tinha tido de comprar um novo… Neste caso, tinha que arranjar uma vida nova! E disso não ia desistir!
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