quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Uma inglesa no Porto - 14º Capítulo


Sentámo-nos nas escadas que me encheram as calças brancas de pó.
- Temos que fazer umas limpezas se queres ficar cá! – Constatei.
Ele sorriu e assentiu com a cabeça.
Voltámo-nos a levantar e começámos a ver como eram as instalações desconhecidas até há pouco. Ele já tinha começado a descodificar a passagem primeiro, então, guiou-me durante toda a visita. Existiram muitas coisas que me espantaram... As pessoas que já tinham habitado a casa, tinham deixado o esconderijo com muitas divisões como uma casa dentro da própria casa. Com cozinha, casa-de-banho, sala-de-estar... A cozinha estava repleta de comida enlatada, garrafões de lixívia, com água lá dentro, pois os habitantes sabiam que a água dentro de um frasco de lixívia se conservava por mais tempo, com mesas, cadeiras, balcão, frigorífico, lavatório, entre outras coisas. A casa-de-banho com banheira, lavatório, sanita, até mesmo um piassaba ao lado da última para o caso desta se entupir. Dentro do armário da casa-de-banho encontrava-se muitos rolos de papel-higiénico e até mesmo pacotes de pensos higiénicos para o caso de alguma senhora se encontrar menstruada. Na sala-de-estar havia uma televisão antiga (mas, a cores), um sofá grande (talvez para toda a família), um rádio e era só... Existia apenas um pequeno quarto, com uma cama de ferro, com uma mesa-de-cabeceira feita com o mesmo material e com os mesmos desenhos que se encontravam na cabeça da cama. A colcha era feita em renda cor-de-rosa e os lençóis eram de linho brancos, com umas flores desenhadas.
A casa dentro da própria casa foi aprovada pelos dois, portanto, ele começou a viver dentro da minha habitação.
Eu ia levar-lhe sempre comida e a água, quando possível... Como é mais que óbvio, ele guardava a comida enlatada e os garrafões de lixívia com água para os dias em que os meus pais estavam em casa e eu não podia de modo algum levar para o meu quarto.
Depois da escola encontrávamo-nos à noite, quando os meus progenitores iam às compras, estavam a dormir ou a visitar a minha avó. Namorava-mos um bocadinho, falávamos... Houve até uma vez que ele me ajudou para o teste de matemática, uma vez que eu não era boa nessa disciplina e ele costumava tirar vintes...
Já no final do ano lectivo (numa noite em que estava um calor dos diabos), estava eu, com um pijama que os meus pais me ofereceram, bastante bonito, feito em renda negra, a camisola bastante justa ao corpo e umas cuecas iguais e ele com os boxers justos negros vestidos e com uma blusa verde justa que deixava transparecer os peitorais por debaixo dela, em cima da cama do esconderijo, quando ele decidiu passar a mão pela minha perna, ao de leve... Aquilo, deixou-me uma onda de prazer incrível. Juntei-me mais a ele e rocei-me no seu corpo, como só os gatos sabem fazer. Ele pareceu gostar e agarrou-me, puxando-me para o colo dele, juntando-se o máximo possível, até nem um átomo se conseguir opor entre nós. Conseguia sentir o calor do seu hálito no meu cabelo comprido e isso fez com que me fosse difícil resistir a beijá-lo. Aproximei a minha boca da dele e beijámo-nos intensamente. Beijámo-nos, beijámo-nos... até ele começar-se a deixar cair para trás e me levar com ele. Permiti que ele me continuasse a beijar e quando dei por mim deixado de ser pura...
Quando me apercebi do que acabara de fazer fiquei em estado de choque. Aquilo não estava no plano e, apesar de a maioria das raparigas que eu conhecia já o terem deixado de o ser com a minha idade, aquilo perturbava-me. Não era por elas o terem deixado de o ser que eu iria seguir a peugada delas.
Ele reparou, e depois daquilo tudo agarrou-se a mim e perguntou-me:
- Amor, está tudo bem? – Olhei-o nos olhos. Tinha uma expressão preocupada.
- Está, sim! – A minha voz deu uma nota falsa na última sílaba, o que lhe permitiu saber que tinha feito algo de errado. Juntei os joelhos à barriga e segurei-os com as mãos. O meu olhar focou os pés da cama e não disse mais nada.
- Fiz algo de errado? – Interpelou-me, mexendo-me no cabelo.
- Não! – E levantei-me. Olhei para o relógio que tinha comprado na loja dos trezentos, mais perto da minha casa e delirei com as horas. – Três da manha! – Disse, perturbada, levantando-me de imediato. Dirigindo-me à porta. – Tenho que me ir deitar!
- Não vás já... – pediu-me – Fica mais um bocado. Amanhã é fim-de-semana! – Argumentou...
Mas depois do que tinha acontecido entre nós, não me apetecia ficar com ele. Não fosse eu cair na esparrela, mais uma outra vez.
Não havia dúvida que, se, eu tivesse que fazer isto com alguém isso seria com ele. Mas agora era muito cedo. Tinha medo que a nossa relação fosse efémera. Tinha medo que ele se fartasse de estar escondido e saísse à rua e fosse alvejado outra vez. E por fim tinha medo, que eu não passasse de mais um brinquedo para ele. Fosse apenas um objecto. Que ele se tivesse aproveitado de mim, do meu amor por ele, para ficar escondido em minha casa. Que se tivesse aproveitado da minha ingenuidade para fazer amor comigo. Afinal, qual seria o motivo que eu era tão especial para ele?
Estendeu-me a mão e voltou a pedir:
- Fica... Por favor... – os seus olhos pousaram nos meus e eu cedi. Afinal, se ele me quisesse humilhar já o tinha feito. E nada o iria retirar... Voltei-me a sentar na cama junto dele onde ainda jazia desnudado com o lençol à volta do seu tronco. Voltou-me a puxar para o pé dele até sentir de novo o seu hálito. – O que se passa? Fiz algo de errado? – E beijou-me o cabelo. Não lhe respondi.
Ficámos os dois uns minutos em silêncio até que ele recomeçou de novo a conversa...
- Magoei-te?! – Perguntou num tom meio assustado e com a sua face a transformar-se numa máscara amargurada.
- Não! – Respondi rapidamente – Não me aleijas-te... – murmurei, pensativa.
- Então? – Interpelou, esperando por uma resposta mais elucidativa. Juntei os meus joelhos de novo ao peito e respondi:
- Não quererias saber. Eu iria magoar-te. E não é isso que quero para ti.
- Se eu te estou a perguntar é porque quero saber... – alegou.
- Não estava à espera que isto acontecesse... – comecei – Quer dizer... Não agora... – tartamudeei – Quer dizer... Eu gosto de ti... Mas, acho que não foi a altura adequada. Acho que podíamos ter esperado mais um tempo! – Reflecti. Ele fez também uma pausa para reflectir...
- Eu não estou arrependido! – Murmurou, dando-me um beijo suave no pescoço – Tu estás? – Disse, fazendo um som mais agudo de que o habitual na última sílaba, observando-me com um ar que não consegui distinguir se amedrontado com o facto de eu estar arrependida, ou triste por o mesmo facto.
Demorei algum tempo a responder... Não o queria deixar marcado por dentro.
- Não sei responder... tudo isto é muito recente... – acabei por dizer, encolhendo os ombros – Mas, se o tivesse que ter feito com mais alguém não tenho a mínima dúvida que teria sido contigo que o tinha feito... – Admiti, com o efeito de o reconfortar mais do que eu mesma.
Acabámos por adormecer agarrados uns ao outro e no dia seguinte, acordámos bastante tarde... As nossas conversas sobre o nosso mais recente problema tinham-se prolongado até ainda mais tarde...
Fui eu quem acordei primeiro. Como tal, fui preparar um pequeno-almoço para os dois. Não estava habituada ao café, mas sabia que ele o apreciava bastante. Como tal, abri um pacote de café que fui buscar a minha casa, (aproveitei e trouxe também leite branco a pensar em mim e pão para fazer torradas), aqueci o leite e o café no fogão que se encontrava na cozinha da passagem e o pão numa torradeira e fui-o acordar com o pequeno-almoço na cama.
- Acorda, dorminhoco! – Incitei-o. Ele esfregou os olhos com as mãos espreguiçando-se ociosamente. Passando, esfregando um braço no seu cabelo hirsuto, bocejando e voltando-se a espreguiçar. Por fim, sentou-se...
- Bom dia – murmurou com a voz mais áspera que o habitual e mexendo com a mão no cabelo, ensonado – hmmmmmmm... pequeno-almoço! – Gemeu, mostrando o seu contentamento.
Eu sorri e sentei-me com a perna direita debaixo do rabo na cama.
- Tens fome? – Perguntei-lhe, sorridente.
- Muita! – Reconheceu.
- Ainda bem! Não queria ter que comer isto tudo sozinha! - E pousei o tabuleiro em frente dos dois. Ele observou o objecto com os alimentos pousados em cima do mesmo, com os olhos extremamente arregalados. – Não estejas com cerimónias! – Aconselhei.
E ele jogou-se ao tabuleiro com uma fome insaciável, o que me fez lembrar um cão vadio que não come há uma semana.
Estive prestes a pedir-lhe que tivesse calma, pois podia-se engasgar com alguma coisa, mas preferi não fazer, com receio de o ofender.
- Parece bom... – disse, perplexa ao mirar o seu apetite indomável. Ele emitiu uma onomatopeia de concordância e continuou a comer, agora, já mais descontraidamente.
- Depois de ontem, precisava de forças, não é verdade? – provocou-me... mas, em vez de lhe responder à letra e alimentar uma discussão que da qual já sabia que iria ser ele a sair vencedor, decidi ignorá-lo, revirando os olhos com um silêncio matador... – Admite fui bom... – disse, enquanto se empanturrava com uma torrada. Não lhe respondi, por um bocado e depois respondi-lhe:
- Se estou contigo é porque gosto de ti, tal como és! Não por esses dotes obscenos! E mesmo que fosse uma perversa de primeira antes de tudo isto ter acontecido tive de te aturar. E confia em mim: não tenho paciência para aturar alguém que não seja verdadeiramente importante para mim.
- Tudo isto para dizeres apenas que gostas de mim por aquilo que sou... – Raciocinou alto.
Eu comecei a comer a minha parte do pequeno-almoço, mirando-o sem parar, enquanto ele ficou com o olhar fixo numa parede do quarto da passagem, os seus olhos cinzentos miravam sem cessar a parede. Cheguei à conclusão que devia estar a pensar pois, a sua respiração e a sua frequência cardíaca tinham diminuído, tal como o seu piscar de olhos demorava muito mais tempo.
Ele demorou muito tempo, assim e depois voltou ao normal...
- Tenho que ir – adverti, olhando para o relógio em que tinha visto as horas a noite passada.
- Já?! – Questionou-me com uma voz suave. Eu sabia o que ele queria. Estava a ficar muito tarde e com certeza os meus pais estavam a chegar das compras matinais. Seria a altura de ele começar a fazer o almoço com os alimentos que eu lhe fornecesse. E a sua ociosidade não lhe permitia fazê-lo hoje.
- Sim! – Respondi-lhe enquanto arrumava o que tínhamos tirado do lugar, ontem à noite e aquilo que eu tinha desarrumado para fazer o nosso pequeno-almoço, dessa manhã. Pus as almofadas com que tínhamos dormido, dentro do guarda-fato e troquei os lençóis que já se encontravam na cama há muito tempo e por isso, já estavam todos surrados do seu suor. Aproveitei e pus uns mais frescos já que nos encontrávamos em pleno Verão, em Junho. Pus uma colcha e fiz a cama, o mais perfeito possível – Adeus... – murmurei.
- Adeus – Respingou. Eu sorri e entrei em casa.
Felizmente, os meus pais ainda não tinham chegado. Aproveitei e pus-me a ver um programa mais que narcótico num canal de televisão, pois este era o melhor que se podia encontrar na altura. Como era demasiado aborrecido, fui ao quarto buscar o material escolar, levei-o para a sala e apliquei-me a fazer os trabalhos de casa das diversas disciplinas e comecei a estudar para os exames, já que estes se encontravam à porta.
Estive um bocadinho a estudar, sentada no sofá, quando, entretanto, os meus pais chegaram com uns sacos na mão de terem ido um hiper-mercado qualquer. Dentro dos sacos existia vegetais, como alface, tomate e cebola para produzir uma possível salada, mais tuberculosos, como batatas para provavelmente serem cozidas com a finalidade de os comermos com o salmão e carapaus que estes compraram.
A minha mãe chegou-se ao pé de mim, com um sorriso nos lábios e, em seguida deu-me um beijo doce na bochecha esquerda e dirigiu-se para a cozinha. O meu pai ao ver que estudava, piscou duas vezes os olhos, atónico e por fim, fez um ar surpreso.
- A estudar?! – Beijou-me em seguida na testa, enrugada do esforço da compreensão da matéria que agora se podia considerar difícil. Não lhe respondi. Era óbvio que estava a estudar. Para que é que iria eu realizar um intercâmbio dos meus livros e cadernos escolares até à sala em vez de se encontrarem na sua prateleira habitual no quarto? – E a ver televisão ao mesmo tempo! – Exclamou como se isso mudasse alguma coisa ou como se eu estivesse muito interessada com o programa de culinária que considerava enfadonho que dava na televisão, desde há pouco. Não me mexi nem respondi de novo.
- Artur, vem grelhar o peixe! – Bradou a minha mãe que se encontrava na varanda da cozinha, a preparar o grelhador.
- Kate, a tua mãe está-te a pedir ajuda! – Informou-me o meu pai, enquanto se acomodava ao meu lado, pegando no comando da televisão, mudando os canais sem grande entusiasmo. Estava habituada que ele me fizesse isso. A minha mãe pedia-lhe auxílio e ele passava a batata quente para as mãos da filha.
- Artur?! – Vociferou a minha mãe de novo.
- Vai, Kate! – Incentivou-me já com o olhar preso nas notícias da televisão – Não vês que a tua mãe precisa de ti?!
Levantei-me contrariada e segui no sentido da cozinha. Ajudei a minha mãe a grelhar o peixe, pus a mesa e fui-me sentar de novo, agora sem me dedicar aos estudos.
Pouco depois, fomos comer. Os meus pais comeram, cada um, uma posta grande de salmão e eu, um carapau igualmente grande. Não podia comer o mesmo que eles, pois sempre odiei salmão.
Depois, de fazer a digestão, preparei um duche e pus-me debaixo da torrente de água, o que foi bastante relaxante, pois, esta bateu-me nos músculos que se encontravam doridos, massajando-me principalmente as costas.
Em seguida, enverguei um pijama azul-claro fresco de manga cava e calções justos, devido à minha fartura de andar ainda com pijamas de manga comprida e de calças quentes, com a ventoinha atrás.
Fiquei um bocadinho, a ver um filme com o meu actor favorito que dava na sessão da tarde, depois fomos jantar. Após isso, fui ver as novelas até alguém bater à porta. Foi a minha mãe que abriu a porta. A minha surpresa foi grande quando percebi que a visita era-me destinada. Tratava-se de Matilde com o novo namorado, que estava farta de me ver em casa ‘sozinha’ e me veio convidar para ir a um concerto dos Xutos e Pontapés, a minha banda preferida, desde sempre. Apesar, desse facto nunca tinha tido a oportunidade de ir assistir a um concerto. Os meus pais incentivaram-me, com sucesso... Acabei por ir com eles, os dois, eu fiz de vela, nem é preciso referir.

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